quarta-feira, fevereiro 04, 2009

O SIGNIFICADO DA QUEDA DO “MURO DE BERLIM”


Durante a II Guerra Mundial, os Aliados (Inglaterra, França, EUA e URSS) lutaram juntos contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Ainda no decorrer do conflito já eram perceptíveis as tensões entre os Aliados, sobretudo no choque do ponto de vista entre Churchill e Stálin. O primeiro, era um antiesquerdista convicto. Para ele, a URSS pretendia impor seu sistema de organização social e econômico aos demais países do mundo, o que não seria viável para os Aliados, com ideologias tão diferentes. Já Stálin estava preocupado não só com a ideologia, mas com o fato de não deixar as fronteiras da URSS desguarnecidas, sobretudo com vizinhos tão hostis.
Em 1945, as conferências de Yalta (1.º a 11 de fevereiro) e Potsdam (17 de julho a 2 de agosto) trataram de questões da organização do pós-guerra. Nesse momento já fica evidente a divisão do mundo em duas grandes áreas de influência, uma capitalista-americana e outra socialista-soviética.
A Alemanha, grande perdedora da II Guerra Mundial, foi dividida em quatro zonas de ocupação entre os vencedores: EUA, Inglaterra, França e URSS. O aumento da tensão político-ideológica entre os EUA e a URSS levou à criação de duas Alemanhas: a República Federal Alemã, na zona de ocupação britânico-franco-norte-americana, e a República Democrática Alemã, na zona de ocupação soviética. A capital, Berlim, que estava situada em território da República Democrática Alemã, também teve que ser dividida em Berlim Ocidental, integrada à República Federal Alemã, e Berlim Oriental, sob controle da República Democrática Alemã.
Até o ano de 1961, os cidadãos berlinenses podiam passar livremente entre os lados Ocidental e Oriental de Berlim. Mas com o acirramento da Guerra Fria, a RDA via sua existência ameaçada. Mais de dois milhões de cidadãos já haviam fugido do lado Oriental desde sua criação em busca de melhores condições de vida do lado Ocidental. A solução encontrada para impedir que as fugas continuassem e para garantir a continuidade da República Democrática Alemã foi a construção do Muro de Berlim.
Este muro simbolizou a concretização da divisão do mundo em dois blocos, se transformando na mais sólida herança da Guerra Fria. Nesse momento, o mundo, mais que a Alemanha ou do que a cidade de Berlim, estava dividido em dois blocos, cada um procurando infiltrar-se para subverter o outro, enquanto as guerrilhas na periferia (Coréia, Vietnã, Cuba, Nicarágua e países da África) se proliferavam.
Ele nasceu de modo repentino, da noite pro dia, literalmente. Em um dia os alemães podiam ir e vir, ver seus amigos e parentes que viviam na parte ocidental, mas no dia seguinte perdiam essa liberdade. Em 13 de agosto de 1961 os berlinenses não puderam aproveitar o domingo do lado de lá, pois o lado de lá estava do outro lado do muro. E a presença dessa construção repentina não pôde ser ignorada, mesmo que não pudesse ser compreendida. O corte já estava feito e a ferida já atingira a todos.
Com seus 167 quilômetros de comprimento, ele circundava e isolava hermeticamente Berlim Oriental, separando praças, ruas e até casas pelo meio. Atrás da primeira barreira estendia-se uma faixa, em alguns pontos com duzentos metros de largura, cheia de arames farpados, minas anti-homem, cães ferozes, bunkers e acesso para as patrulhas da polícia. Além dela erguia-se outro muro que dava para Berlim Ocidental. A cada duzentos metros, uma guarita revestida por falsos espelhos se destacava em cima de uma armadura de aço, e dentro dela, os grenzpolizisten, polícia de fronteira da RDA, que atirava sistematicamente sobre quem quer que tentasse passar para o lado Ocidental. Desde o dia da sua construção, mais de 1.000[1] pessoas morreram dessa maneira. A última, a apenas nove meses da abertura. O Muro nem era tão alto, tinha pouco mais de 4 metros de altura, mas, como diria uma pichação anônima, “O muro chinês é mais largo e alto, mas não tão perturbador”. À noite, tudo ficava iluminado, a visão do Muro com seus arames farpados, certamente trazia à lembrança os campos de concentração.
Por tudo isso, o dia 9 de novembro de 1989 não foi apenas uma segunda-feira fria em Berlim, mas o início do fim de 28 longos anos de separação. 28 anos do fim da convivência com aquilo que não era apenas uma horrível construção em concreto reforçado, mas também um testemunho cotidiano da violência à liberdade, tão feroz a ponto de parecer absurdo. Naquela noite fria, Günter Schabowski, ministro da propaganda da RDA, anuncia a liberdade de ir e vir para os cidadãos. É a queda do Muro de Berlim.
Talvez sua queda tenha permitido a retomada, mas talvez não a superação, do trauma de sua construção. As gerações que a vivenciaram ainda estão vivas. E foram as crianças de 1961 que fizeram coro nas passeatas em Leipzig, subiram em cima do Muro na frente da porta de Brademburgo e martelaram as estruturas para derrubar o símbolo da falta de liberdade.
O Muro caiu porque já não tinha forças pra permanecer em pé. Estava “podre” por dentro, pelo colapso de uma ineficiência econômica, que perdia cada vez mais a concorrência com sua rival Ocidental. O contraste entre as duas Alemanhas era gigantesco. Enquanto o lado Ocidental progredia econômica e tecnologicamente, a parte Oriental parecia, até visualmente, viver no passado, como se tivesse parado no tempo, vivendo como há quarenta anos. Nem mesmo a Glasnost e a Perestroika iniciadas em 1985 por Mikhail Gorbatchev foram suficientes para manter os alicerces do Muro.
No dia 10 de novembro, Berlim acordou ainda em estado de choque. Os cidadãos, tanto Orientais como Ocidentais não sabiam se tudo aquilo tinha sido um sonho. Era preciso ligar a televisão e acompanhar os telejornais, sair à rua, ir até o Muro.
“Todos viram a liberdade dançar sobre o Muro, mas a incredulidade, a desconfiança, o medo de que possa ser apenas uma fascinante ilusão fazem com que os berlinenses do Leste trepidem; como que em busca de uma confirmação eles saem às ruas rumando aos milhares para os postos de fronteira. Então é mesmo verdade! O Muro caiu, revirando a História e o coração da Europa. As duas Alemanhas podem se tocar. Na noite passada terminou o pós-guerra”. (Lilli, 1990, p.131)
Era o momento de reencontrar a família e os amigos. Quantos berlinenses não podiam fazer coisas simples, como visitar a mãe ou o irmão, ou ir à festa de aniversário do melhor amigo? Agora, nesse “fim de ano antecipado”, como estampavam as manchetes dos jornais da época, eles enfim poderiam dar o abraço há tempos esperado.
A imagem mais famosa desse evento não aconteceu no dia 9 de novembro, mas alguns dias depois. É a imagem de milhares de pessoas, em cima e dos lados do Muro, estourando champagnes, na tal festa de ano novo antecipado. O Muro virou pedaços, fragmentos, produto de exportação que era (e ainda é) vendido como souvenir, como amuleto, como recordação do fim de uma era. A história foi dividida em milhares de pequenos pedaços, tão pequenos, que os olhos só conseguem ver as cores dos ex-protestos dos Ocidentais em forma de grafite. Já não há um reconhecimento visual do muro, mas um reconhecimento simbólico.
No início era preciso um visto para atravessar o Muro, enquanto ele ainda não tinha sido literalmente derrubado. Mas os berlinenses ficavam horas nas filas, pacientemente, para receber o carimbo que significava muito mais do que tinta num papel, mas um “atestado de liberdade”. Das dezenas de milhares de berlinenses Orientais que passaram sua primeira noite no lado Ocidental, apenas 2500 não voltaram. A maioria acreditava na reunificação, sonhando com uma única Alemanha e um único povo alemão. Havia o problema do câmbio. Oriente e Ocidente tinham moedas diferentes. Do lado Ocidental, os Orientais recebiam uma espécie de “boas vindas”, o Begruessungsgeld, o que equivaleria a pouco mais de R$120,00 atuais. Do lado Ocidental esse dinheiro era facilmente gasto em um jantar num restaurante bacana, mas, para os cidadãos Orientais, era uma boa quantia, o equivalente a quase um salário mensal para alguns.
“Há uma fila de meio quilômetro diante da filial da Dresdner Bank. (...) Experimentamos perguntar a alguém da fila se não se sentem humilhados por ficar uma hora na fila para receber a esmola da rica Alemanha Federal; olham para nós como se fossemos extraterrestres, ou então nos respondem simplesmente que estão acostumados a fazer a fila todos os dias, no lado Oriental, só que muitas vezes sem encontrar aquilo de que têm necessidade”. (Lilli, 1990, p.140)
O choque cultural da abertura do Muro foi imenso. A maioria dos jovens nunca tinha visto tamanhas variedades de coisas simples, como chocolates e biscoitos, por exemplo. As lojas do lado Ocidental foram invadidas e prateleiras inteiras foram esvaziadas em segundos, sobretudo as de artigos eletrônicos simples, mas absolutamente novos para os Orientais, como os walkmans. O cinema também foi algo que chamou a atenção. A variedade de títulos, sobretudo os blockbusters americanos, os deixou encantados. Outra coisa que eles também não tinham acesso do lado Oriental era a pornografia. Anos de moralismo do Estado sufocaram, mas não apagaram as curiosidades mais inconfessáveis. Era comum ver nas filas dos cinemas eróticos homens e casais cheios de curiosidades. Claro que a maioria dos produtos da Alemanha Ocidental tinha um preço proibitivo aos Orientais, mas nem por isso eles reclamavam. Estar ali e poder ver tudo aquilo já era grande coisa para quem, até bem pouco tempo, nem sonhava com isso.
O próximo passo seria a reunificação das Alemanhas, o que viria a acontecer somente em 1990. Antes da unificação efetiva, aconteceu uma unificação monetária e econômica. Em 1.º de julho de 1990, o Bundesbank assumiu o controle da política monetária alemã-oriental, tornando o marco ocidental a moeda corrente do país. Esse passo foi muito importante para a unificação política, que aconteceu em 3 de outubro do mesmo ano. Em 2 de dezembro, os eleitores de todos os Estados da República Federal e da ex-República Democrática foram juntos às urnas pela primeira vez, desde a última eleição democrática que aconteceu às vésperas do nazismo. Helmut Kohl foi reeleito primeiro-ministro da enfim unificada Alemanha.
Essa reunificação resolveu alguns problemas, mas criou outros: o impacto da modernização Ocidental sobre as sucateadas indústrias Orientais gerou desemprego. A República Federal da Alemanha, para acelerar o processo de reabsorvição dos desempregados, investiu maciçamente do lado Oriental, deixando o lado Ocidental sem a mesma atenção, o que gerou também ali o desemprego.
“Nesses 15 anos, o governo federal transferiu bilhões de euros ao leste, sob um "pacto solidário", que expira em 2020. (...) Várias cidades pobres e mal estruturadas da antiga Alemanha Oriental foram reformadas, e a região tem atraído vários investimentos. Ainda assim, a falta de empregos tem levado vários jovens a abandonar o lado leste da cidade.
Um dos maiores indicadores que mostram os desafios do governo alemão na integração das duas regiões é a taxa de desemprego: enquanto que, em nível nacional, há 11,2% de desempregados, na parte oriental esse número chega a 17,6%. (...) Mesmo após 15 anos, orientais e ocidentais ainda têm posturas políticas bastante diferentes. O Partido de Esquerda teve uma percentagem mais alta de votos no leste que no oeste, durante as eleições ocorridas em 18 de setembro último.”
(Folha de São Paulo, 03 de outubro de 2005)

A reunificação alemã é um dos maiores fenômenos do século XX, do ponto de vista político. Mas essa unificação sem conflitos, apesar de trazer inúmeros benefícios à população, sobretudo no que diz respeito ao direito de ir e vir, causou inúmeros prejuízos à economia. A Alemanha ainda paga o custo dessa reunificação, que não foi tão simples como se imaginava na época, mas que, ainda assim, foi um grande sucesso. Mesmo com todos esses problemas, Berlim é uma das mais importantes cidades da Europa e a Alemanha é um dos maiores investidores do Leste Europeu.
Claro que ainda hoje, quase 20 anos depois da queda do Muro, ainda há pessoas que não incorporaram o princípio da produtividade, da tecnologia e de todos os fatores que fazem da Alemanha um país tão avançado. Ainda há um fosso econômico que separa os dois lados. O rendimento econômico per capita no Leste é apenas 70% do nível Ocidental, o que faz com que, a cada ano o Estado transfira cerca de 30 bilhões de euros do Oeste para o Leste. O governo alemão acredita que ainda serão necessários, no mínimo, dez anos até a região conseguir se manter sem as injeções financeiras do Estado. Ainda serão necessários dez anos para existir novamente uma única Alemanha.
O Muro de concreto, ferro e arame farpado caiu, mas ainda existe não só na memória daqueles que sentiram na pele suas conseqüências, não só no roteiro turístico daqueles que visitam Berlim ou nos livros de História. Ele ainda existe, metaforicamente, separando Leste e Oeste. Quem sabe em 9 de novembro de 2019, na festa dos trinta anos da “queda”, os alemães realmente possam brindar e dançar numa Alemanha verdadeiramente unida, sem diferenças entre Leste e Oeste.
[1] Não há consenso sobre esse número. O certo é que até hoje não se sabe ao certo o número de vítimas.

BIBLIOGRAFIA

BANCHER, Flávia. A queda do Muro de Berlim e a presentificação da História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
CHACON, Vamireh. A questão alemã. São Paulo: Scipione, 1994.
FERREIRA, Edson Alberto Carvalho. Nova ordem mundial. São Paulo: Núcleo, 1997.
________________________. O mundo contemporâneo. Núcleo, 1993.
GRUBER, Lilli. O Muro de Berlim: Alemanha pátria unida. [Tradução Pier Luigi Cabra]. – São Paulo: Maltese, 1990.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. [Tradução Marcos Santarrita]. – São Paulo: Companhia das Letras, 1993.


DICA DE FILME


Adeus Lênin



Título Original: Good Bye, Lenin!

Ano de Lançamento (Alemanha): 2003


Estúdio: arte / Westdreutscher Rundfunk / X-Filme Creative Pool

Distribuição: Sony Pictures Classics

Direção: Wolfganger Becker

Roteiro: Wolfganger Becker e Bernd Lichtenberg

Produção: Stefan Arndt