domingo, novembro 29, 2009

Volpi e poesias

(misturando um pouco pintura e poesia)

Alfredo Volpi.
Fachada das Bandeiras Brancas, déc. 1950.
Óleo sobre tela, 155 x 102 cm. Coleção Particular


A obra de Alfredo Volpi, Fachada das Bandeiras Brancas, é uma obra bastante simples do ponto de vista técnico. Apresenta apenas três cores: branco, azul e marrom e, as formas escolhidas pelo artista também são muito simples. Bandeirinhas são quadrados recortados por triângulos, telhados são retângulos marrons horizontais e as portas, retângulos verticais. Cada porta tem batentes brancos que formam arcos compostos por quatro triângulos marrons. Tudo muito simples. Apesar das poucas cores e formas, vemos claramente as casas, a rua e até profundidade no chão de terra batida.
O conteúdo do quadro é muito simples: casinhas em estilo colonial, muito humildes, bandeirinhas que são usadas nas festas populares, a economia das formas e das cores.
Não posso ficar apática ao olhar para essa tela. Sua simplicidade me remete à minha infância simples em uma pequena cidade do interior de São Paulo. Na época, a rua em que vivia era repleta dessas casas e o povo enfeitava as ruas de bandeirinhas na época das festas. Não só nas festas juninas como muitos pensam, e de pronto rotulam as obras de Volpi, mas em todas elas. As bandeirinhas eram símbolo de festa e se havia alguma, lá estavam elas para colorir a cidade.
Minha origem simples também fez com que me identificasse com os poemas “Ditirambo”, de Oswald de Andrade e “Cidadezinha qualquer” de Carlos Drummond de Andrade, que, assim como a obra de Volpi, falam de simplicidade. Esse foi o verdadeiro motivo pelo qual escolhi esse conjunto para comentar.

Ditirambo

Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade
(Oswald de Andrade, Pau-Brasil, p. 99)

Quando leio “Meu amor me ensinou a ser simples” penso em minha cidade. Ela é o sujeito de minha leitura desse poema. Foi ela quem me ensinou a ser simples “como um largo de igreja”. Foram as fachadas coloniais, as bandeirinhas que me fizeram ver as coisas simples e valorizá-las.
Quando penso sobre o título do poema: “Ditirambo”, penso no significado simples dessa palavra. Ditirambo é uma poesia lírica que exprime entusiasmo ou delírio. Também era o canto em honra ao deus Dionísio. Sai da cidadezinha simples das casinhas coloniais e das bandeirinhas para estudar teatro, a arte abençoada por Dionísio, em uma cidade grande. O contraste entre o simples e o complexo sempre me chamou a atenção. Por esse motivo, assim como Oswald, me entusiasmo com o simples. Foi o meu amor que me ensinou a ser assim, não foi qualquer um. Foi meu amor que me ensinou a ver beleza no pouco, no mínimo. A buscar o simples no meio da confusão. Como as bandeirinhas de Volpi.
Me chama a atenção o fato de elas não seguirem exatamente o mesmo padrão. Há três fileiras de bandeirinhas, mas a de cima parece destoar das duas de baixo. Apesar de terem a mesma cor e estar em mesmo número, a primeira fileira não acompanha a simetria das outras duas, como se estivesse em outro plano ou então, como se simplesmente estivessem assim para causar estranhamento. Talvez Volpi preferisse deixar assim para que o quadro não ficasse tão estático, talvez quisesse mostrar que as bandeirinhas feitas pelo povo não seguiam exatamente o mesmo padrão, já que muitas mãos ajudavam a colocá-las no alto. Lembro-me novamente de minha infância. Sentada no chão da calçada, tesoura na mão, cortando bandeirinhas. Cola de trigo para prendê-las no barbante e depois a briga entre a criançada para ver quem ajudaria a pregá-las no alto. Sempre ficavam tortas, mas nunca ficavam tristes. Quantas mãos ajudavam nesse labor. Elas eram sempre simples, mas nem por isso deixavam de ser a principal marca das festas. Quadradinhos de papel de seda que tirávamos os triangulinhos. Tão pouco, tanta alegria.

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

(Carlos Drummond de Andrade, Alguma poesia, coligido em Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p. 23)

O poema de Carlos Drummond de Andrade fala de outras tantas coisas que me fazem lembrar esse tempo. As “casas entre bananeiras”, as “mulheres entre laranjeiras”, o “pomar”. Tanta coisa simples, mas ao mesmo tempo com tantos significados para mim. Na minha realidade não eram apenas as casas na roça que tinham jardim e pomar, mas as casas da cidade também. Lá era assim – ainda continua um tanto assim em um tanto de lugares. Lá, a vida vai mais devagar. Lá as mulheres conversam entre as laranjeiras. Lá as casas estão entre as bananeiras.
Graças a minha vivência pude entender o poema “Cidadezinha qualquer”, porque vivi em uma cidadezinha qualquer, aonde “um homem vai devagar”, “um cachorro vai devagar”, “um burro vai devagar”. Mais uma vez vejo a obra de Volpi e sinto que as pessoas que habitam aquelas casinhas, vivem assim: devagar. A simplicidade é calma. A simplicidade não exige que tenhamos pressa.
Já vi muitas pessoas que, ao olharem para obras como essa, de Volpi, sentem tédio. Elas parecem se incomodar com a simplicidade da obra, com a falta de informações, com a calma. Talvez por serem pessoas que não conhecem o “devagar”, talvez por não terem aprendido a ser simples “como um largo de igreja”. Na cidade em que se corre, Volpi pode incomodar.
Ao terminar sua poesia com “Eta vida besta, meu Deus.”, Carlos Drummond de Andrade pode parecer uma dessas pessoas. Não entende a “vida Besta” de quem anda no lugar de correr. Mas será que é besta? Será que viemos ao mundo para correr? Prefiro “pomar amor cantar”. Por outro lado, a expressão “Eta vida besta, meu Deus” pode também se referir ao linguajar desse povo. Pode ser um suspiro desse pobre que vive a vida devagar. Já que a vida nas cidadezinhas não é um mar de rosas.
Sempre vi as bandeirinhas de Volpi como símbolos do simples, do povo, do pobre. Não há glamour nessa vida, e sim muito suor e muita labuta. O bonito é que mesmo com todos os problemas, com todas as dificuldades, a vida continua sendo celebrada. As bandeirinhas continuam a ser feitas e penduradas no alto, as pessoas continuam cantando e amando. E a cidadezinha qualquer continua ensinando que o importante são as pequenas coisas, as coisas simples. Continua ensinando que o pouco pode ser mais, desde que tenha significado.

5 comentários:

duende:) disse...

Ora, Taci, não poderia deixar de comentar essa última postagem... Muito obrigada pelo belo texto que acabo de ler, que tudo que tem de belo, tem de verdadeiro. Fez-me olhar para o quadro de Volpi mais uma vez, depois de tantas outras. Depois de tantas vezes, quando criança, sendo obrigada a reproduzi-lo, sem que tivesse vontade, ou o mínimo talento. Nham... De fato, as pessoas que amo me ensinaram a ver as coisas mais simples: minha família, meus amigos, meus ídolos. Obrigada por haver me ensinado também.

Por Felícia Bastos disse...

Tb sou apaixonada por arte. quando puder me faça uma visita em meus blogs. Um grande beijo e parabéns pelo blog!

Geraldo Brito (Dado) disse...

Interessante!
Belas obras também...

xis. disse...

Dou muito valor à arte e cultura de bom gosto. E pelo que vejo, você também.
Estou te seguindo.

yae in choi disse...

oi professora!!! eu nao sei se vc lembra de mim, mas fui sua aluna do etapa ate 2008, quando estava no 2o ano.
eu estou estudando numa facul de moda e acabei por consultar o seu blog para lembrar algumas coisas sobre vasos gregos...
mas como vc vai? vc ainda da aulas no etapa? estou com saudades desse tempo...
enfim, espero q tudo de certo com vc e q seu blog continue ajudando mtas pessoas...